Você leitor, já parou e pensou se seus dividendos são sustentáveis? O que isso quer dizer? Vamos divagar um pouco sobre este tema hoje.
Todo investidor de longo prazo tem um método próprio para escolha de ações de forma que ele as considere boas para sua carteira de investimentos. Em algum momento desta análise (no meio ou no final ou às vezes em nenhum momento) este investidor pode querer analisar os dividendos pagos por uma determinada empresa.
Afinal, neste momento conturbado da bolsa, consegui identificar 37 empresas que pagam dividendos bons ou razoáveis. E ainda nem encerrou a temporada de balanços do 4º Trimestre de 2019.
Entretanto, destas 37, apenas 16 conseguiram passar no que eu chamo de dividendos sustentáveis. São regras definidas por mim e baseadas nos Demonstrativos Contábeis que reforçam as probabilidades dos proventos serem consistentes ao longo do tempo.
Reforço que eu não tenho e não aconselho a ter somente ações de dividendos na carteira. Esta é uma decisão pessoal de cada investidor de acordo com sua estratégia!
Vejamos a tabela abaixo, retirada de um Demonstrativo de Fluxo de Caixa (DFC) do 4T19 de uma empresa real.
Veja como uma pequena tabela pode nos auxiliar em grandes decisões. Temos o fluxo de caixa resumido de dois anos. Aí tem grande parte dos dados que eu uso na análise da DFC.
Mas o foco aqui são dividendos sustentáveis. Então vamos lá!
Veja que em 2018 a empresa gerou 1 bilhão de caixa líquido operacional, proveniente de suas operações. Investiu em CAPEX 219 milhões resultando num caixa livre de 847 milhões.
Em seguida distribuiu 633 milhões em proventos. Ainda tinha sobra de caixa neste momento (214 milhões). Resolveu então pagar dívidas de 109 milhões. Sobrou ainda em caixa 105 milhões que a empresa pode usar como capital de giro ou outra finalidade.
Um dado que não coloquei acima é que em 2018 a empresa teve 89 milhões em Depreciações e Amortizações (D&A). Veja que o CAPEX foi mais que o dobro das D&A.
Neste ano de 2018 a empresa fez tudo certo. Se estivesse no início de 2019 olhando esta DFC, eu estaria dando os parabéns para a empresa. No meu método, os indicadores relacionados à DFC estariam todos verdinhos!
E veja que 2018 teve a greve dos caminhoneiros!
Já em 2019 a história foi bem diferente, inversa do que aconteceu em 2018. Já antecipo que nem por isso a empresa deixou de ser boa. Apenas houve um impacto na análise dos dividendos.
Em 2019 houve geração de caixa menor, de 823 MM. Ela investiu mais em CAPEX, mas com uma D&A de 120 MM, ela investiu 3 vezes mais que a reposição de bens depreciáveis (provavelmente estava expandindo).
Seu caixa livre ainda estava positivo, de 461 MM. Entretanto, a empresa resolveu pagar praticamente os mesmos dividendos que 2018 (vou agradar meu sócio fiel senão ele me deixa!). Distribuiu 623 MM e ficou com a batata quente na mão. Não tenho caixa, então tenho que pedir um empréstimo para cobrir este gasto. Pior, vou ter que pedir mais para ter capital de giro! (mas meu sócio vai ficar feliz porque recebeu os mesmos dividendos e ele não olha fluxo de caixa!).
Este é o resultado. O que um sócio atento percebe? No mínimo, que este dividendo não é consistente. Ele veio numa forçada de barra. Apareceu proveniente de um empréstimo, não de um caixa saudável.
Concordo plenamente em investir num CAPEX maior desde que se tenha caixa para isso e que haja retorno futuro. Mas, vejamos. O CAPEX de 2018 foi o dobro da D&A. Significa que a empresa repôs seu maquinário depreciado e expandiu quase o mesmo valor. Entretanto, esta expansão deveria ter aumentado a geração de caixa em 2019. O que ocorreu foi uma diminuição no caixa operacional, ou seja, o resultado não foi imediato. Talvez seja de longo prazo.
Eu, caso fosse sócio desta empresa, aceitaria um provento menor ou até nenhum provento. Veja que se não fosse distribuído provento algum, a empresa talvez não precisasse do empréstimo. Mas ela tomou emprestado de instituições bancárias a juros mais elevados para pagar ao sócio seus proventos.
Entretanto, esta análise é somente do fluxo de caixa e de uma decisão gerencial de tomada de dívida para pagamento aos sócios. Como analiso vários outros aspectos, e dente eles o endividamento, vi que a empresa ainda tem a dívida controlada. Portanto, este fator isolado não afetou a solidez da empresa.
Contudo, afetou a sustentabilidade dos dividendos. Como os proventos foram financiados por fonte externa, há um indício claro que em 2020 a empresa repete o mesmo esquema ou diminui o provento ou tem uma explosão de geração de caixa por causa dos investimentos em CAPEX e paga o mesmo provento. Nada é certo! Tudo é analisado…
Vou deixar alguns passos para saber se os proventos são sustentáveis:
1. FCL CAPEX tem que ser maior que zero: isto porque tem empresa que investe todo seu caixa operacional e ainda toma empréstimo para cobrir mais investimento. Pagar provento nesta situação é irresponsabilidade gerencial! Nada de errado se acontecer o FCL negativo por um período curto, significa apenas investimento pesado.
2. Valor dos proventos deve ser menor que o FCL CAPEX: a sobra de caixa (caixa livre) deve ser suficiente para pagar os seguintes itens: a) Capital de Giro; b) Empréstimos; c) Proventos. Portanto, o caixa tem que ser bem dimensionado (os empréstimos não precisam ser totalmente pagos, mas uma boa amortização é bem-vinda).
3. O valor distribuído num ano tem que ser próximo ao ano anterior.
Espero que eu tenha conseguido destrinchar esse assunto e que o leitor possa saber analisar o fluxo de caixa, pelo menos superficialmente. Com as explicações acima, você será capaz de ver a consistência dos proventos, mas, mais importante, já estará se habituando a ler os demonstrativos financeiros.
Deixo aqui alguns artigos que escrevi antes desse e que podem esclarecer alguns conceitos:
2. Análise Completa do Endividamento
Abraço e até o próximo artigo!
Também olho bastante o FCL CAPEX é um dado importante, justamente com os indicadores fazem parte dele.
Abraço!
Pois é. Gosto bastante dele. O dividendo com certeza não vem do lucro líquido, vem do caixa.