Afinal a Berkshire ganhou ou perdeu em 1T20?

Hoje estava lendo alguns artigos dizendo que a Berkshire Hathaway Inc. “perdeu” 50 bilhões no 1º Trimestre de 2020. Tive que aprofundar esta análise e ver onde estava esta perda. Afinal o termo “perda”, para mim, significa algo definitivo. Para mim, a empresa tinha se desfeito de empresas, mas não foi bem o que ocorreu.

A minha fonte de informação é sempre primária. Portanto, fui atrás daquele belo site da Berkshire. (acho que vou me inspirar na estética do site da Berkshire para fazer o meu; afinal o que importa é a informação contida ali, como já disse por aqui…)

Para quem quiser ver todo o relatório, CLIQUE AQUI. Abaixo colocarei o documento principal que me aprofundei para achar a resposta que procurava.

A Demonstração do Fluxo de Caixa é o documento contábil que mais gosto de analisar. É nele que está a alma da empresa. Afinal, caixa é rei, lucro é ego.

FLUXO OPERACIONAL

Iniciemos nossa análise pela primeira linha: o lucro líquido. No caso do 1T20, o prejuízo mesmo. A empresa apurou prejuízo contábil neste trimestre de quase 50 bilhões de dólares. Daí as chamadas dos artigos de que a Berkshire perdeu este montante.

Logo no início do fluxo operacional já vemos o motivo deste prejuízo. A primeira parte do fluxo operacional são os ajustes que devem ser realizados entre os regimes de caixa e competência. O ajuste de 68 B a título de investiment losses já inverte toda a lógica do prejuízo contábil. Veja o que a própria Berkshire explica no seu Release 1T20:

As perdas em investimento referentes ao 1T20 são dos valores justos das ações que a  empresa detém de suas subsidiárias. Ou seja, não houve saída de caixa. Esta “perda” foi apenas contábil. Não ocorreu perda real de dinheiro, de caixa. Foi algo virtual, que se mantido, no próximo trimestre se traduzirá em ganhos referentes a valor justo destas ações. Ou seja, é o velho jogo de ajuste do valor justo de sobe e desce (é o mesmo que acontece conosco, investidores, ao olharmos diariamente (ou trimestralmente) nossas variações de preço de nossas ações.

Perceba que ao fim do fluxo operacional a empresa teve uma entrada de dinheiro de 6.8 Bilhões. Ou seja, a empresa saiu de um possível e alardeado prejuízo de 50 Bilhões para uma geração de caixa positiva de quase 7 bilhões. Depois dessa, eu ainda te pergunto: você ainda analisa ação só pelo lucro? Lucro é importante sim. Mas nas crises as empresas estão “autorizadas” a dar prejuízo, desde que seu caixa ainda seja forte. Portanto, meu único conselho aqui é: além do lucro, aprenda a ver o caixa também. Você verá como sua percepção será outra.

FLUXO DE INVESTIMENTOS

Continuando a análise e passando pelo fluxo de investimentos podemos perceber duas coisas. Compras de 4 Bi em ações de outras empresas e de 31.5 Bi em títulos do governo. Há também venda de ações e de títulos. Ou seja, a empresa fez uns trades aí. Mesmo assim, se olharmos a parte líquida, houve mais compras do que vendas. E a empresa investiu pesado em renda fixa.

Eu realmente não entendi a lógica. Sempre li que o Buffet gosta de comprar nas crises, no pânico. Esta pandemia é a situação prática da teoria difundida por ele. Seria lógico se a empresa estivesse comprando ações, reforçando sua posição acionária. No frigir dos ovos estou concluindo que ele está prevendo uma situação ainda pior para o mercado num futuro próximo e espera que as ações despenquem mais ainda. Algo que vai além da minha compreensão neste momento!

Vemos que nos investimentos houve uma saída de caixa de 27 bilhões, a maioria em compra de ativos.

FLUXO DE FINANCIAMENTOS

O caixa de financiamento ficou estável, quase no zero a zero. Nada a comentar aqui de extraordinário. Nesta empresa nunca veremos aqui saída de caixa para pagamento de dividendos.

JUNTANDO TUDO!

Agora vem o encerramento com chave de ouro.

Veja que no início do período havia um caixa de 64 bilhões e no final do período sobrou apenas 43 bilhões. Uma redução de 21 bilhões. Um investidor que só olha números veria uma redução maléfica do caixa. Ele (como várias casas de research) diria que houve uma queima de 21 bilhões de caixa.

Entretanto, eu, prefiro dizer que houve consumo de 21 bilhões de caixa. Isto porque eu analisei a DFC. Não houve contração de dívidas, não houve caixa operacional negativo e a empresa não usou caixa para cobrir subsidiárias deficitárias. Se não houve nenhum destes três quesitos a empresa não queimou caixa.

Ela o usou com sabedoria, aumentando seus investimentos. Isto é saudável para a empresa. Ao invés de deixar o dinheiro parado, ela simplesmente o aplicou para gerar alguns rendimentos a mais nos próximos períodos. Esta é a minha visão.

Veja que se não houvesse comprado os 31 bilhões em títulos do governo a empresa teria aumentado seu caixa. Portanto, para mim, foi um consumo saudável do caixa e não uma queima de caixa! Incorpore isto nos seus conceitos e terá outra visão das empresas que você analisa.

Mas veja. Eu nunca aceito (encarteiro) uma empresa que gere caixa operacional negativo. Entretanto, ela pode ter um caixa de financiamento positivo quando está contraindo empréstimos para expandir a empresa (tem que estar associado a investimentos no caixa de investimentos) ou um caixa de financiamento negativo quando está pagando empréstimos ou distribuindo proventos (desde que estas duas condições estejam condizentes com o fluxo de caixa livre).

Para mim, uma empresa também pode ter um fluxo de investimento negativo quando está atualizando ou expandindo sua empresa (CAPEX elevado) ou quando está comprando outras empresas menores para ampliar seu market share ou verticalizar sua produção.

Pode ainda ter um fluxo de investimento positivo quando está resgatando títulos ou investimentos para pagar dívidas (associado ao fluxo de financiamento). Quando o caixa da empresa está exageradamente alto a empresa ainda pode resgatar aplicações de curto prazo para distribuir dividendos (neste caso, o fluxo de investimentos tende a ser positivo e o de financiamento negativo, mas é benéfico).

Portanto, fique sempre atento à queima de caixa: 1. Fluxo de caixa operacional negativo (a empresa não consegue gerar caixa com suas atividades normais); 2. Contração de dívidas (fluxo de financiamento) sem associação com fluxo de investimentos (para onde foi o dinheiro? foi para cobrir caixa operacional negativo? contraiu dívida para distribuir dividendo e agradar os acionistas?); 3. Cobertura de empresas subsidiárias deficitárias (ver no fluxo de investimento – imagina ter que ficar cobrindo prejuízo de suas subsidiárias constantemente).

CAIXA ATUAL DA BERKSHIRE

Outro comentário que eu gostaria de dizer é que o caixa da Berkshire realmente está alto. Veja abaixo o Balanço Patrimonial, em caixa e seus equivalentes (liquidez imediata) e nas aplicações de curto prazo (que também considero caixa):

Esta parte é bem simples de analisar. Sempre ouvimos dizer que Buffet tinha um caixa bilionário. Aí está. Em 31/12/2019 tinha 125 bilhões e em 31/03/2020 tem 133 bilhões. Por coincidência, apesar do caixa ter sido “consumido” na DFC em 21 bilhões e ter havido uma geração de caixa operacional de 7 bilhões, houve um acréscimo no caixa também em 7 bilhões. São as maravilhas da análise contábil onde as demonstrações explicam o que realmente acontece.

A empresa tem um bom caixa para comprar novas empresas, para investir. Oportunidades há. A questão é: o que a Berkshire está enxergando lá na frente que eu não estou vendo? Porque a maioria dos investidores está comprando ações agora no pânico segundo os ensinamentos do Buffet e ele próprio não está fazendo isso? A única resposta que consigo visualizar é que a situação ainda vai piorar muito na visão dele. Só o futuro nos dirá a conclusão.

CONCLUSÃO

Espero que esta análise tenha ajudado aos leitores entenderem mais sobre a necessidade de compreensão do Demonstrativo do Fluxo de Caixa. Espero que o modo e as conclusões que tiro da DFC tenham sido enriquecedoras. Tanto a DRE quanto o Balanço Patrimonial são também importantes, mas a DFC é o documento que contém a maior riqueza de informação, a menor chance de manipulação de dados e traz ao investidor uma visão de onde vai o dinheiro da empresa.

Até a próxima publicação!

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